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terça-feira, 25 de outubro de 2011

BANDOLEIROS COLORIDOS




Leitores, vou terminar,
tratando de Lampião
muito embora que não possa
vou dar a explicação:
No inferno não ficou,
no céu também não entrou,
por certo está no sertão.

folheto de cordel de José Pacheco



Ilustração: J. Miguel



Um dos defeitos persistentes neste cronista é enveredar-se por assuntos que lhe encasquetam nas ideias, na esperança de que o leitor também se intrigue. A revista “Pesquisa” da Fapesp, de outubro passado, traz o artigo “A Cor que Invadiu o Sertão” sobre os bandos armados na caatinga nordestina, de fins do século 18 a meados do 20. Que bandoleiros seriam aqueles com tantas armas e badulaques colados à pele, semelhantes a bois de canga, daí o nome “cangaço”? Diferentes do banditismo comum, não almejavam à ocultação; antes, queriam ser vistos e admirados no carnavalismo ostensivo das cores e brilhos.




O bando, bandoleiros



Os cangaceiros primeiro foram capangas de coronéis, que deles se utilizavam em perseguição aos indígenas, vinganças familiares e desforra aos inimigos. Após, como poder paralelo, rivalizaram com os senhores de engenho e os ameaçaram. Pari passu, enfrentavam os meganhas do governo (os “macacos”) inclinados à desfeita aos miseráveis. Daí, além da sedução dos adornos, eram acoitados pela plebe numa relação de medo e proteção, desagravo e um bizarro senso de justiça. Entretanto, os cangaceiros visavam ao enriquecimento próprio e, imitando os coronéis, distribuíam migalhas aos despossuídos. Eis sociologia tingida de estranhas éticas e estéticas!



Xilogravura: J. Borges



O que legitimava entre os cangaceiros e no imaginário coletivo – indaga o cronista – tamanha esquisitice à contramão do machismo nacional?  Lampião, o Rei do Cangaço, filho de remediada família, ele mesmo costurava seus trajes, dedicava-se aos bordados e apliques, tricôs e adereços de uso pessoal e de alguns cabras achegados. Ostentando “luxo”, aformoseava-se com duas arrobas de enfeites, afora as armas brancas e explosivas. Só no sombreiro, com alta aba frontal em meia-lua, trazia inúmeras peças entre moedas de ouro, amuletos, medalhas e chamativas galas.





  Imperador do sertão


Virgulino Ferreira da Silva e seus ornatos de espelho, rifles à tiracolo e anchos punhais de prata, insígnias, cantis policromados, bornais em cores vivas, correias de balas traspassadas no peito e lenços multicores ao pescoço; Lampião glorificado em prosa e cantorias, personagem do Ciclo do Cangaço no cinema atualizaria longínquos faraós na sequidão cinzenta doutros desertos? Reviveu, num ermo dos sonhos, medievais cavaleiros andantes? Foi encarnação do realismo mágico na literatura, do delírio psicodélico nas estampas e filmes surreais?




Lampião e Maria Bonita
(Aldemir Martins)



 
  Se criaturas como Maria Bonita, companheira de Virgulino, com ordinários chapéus de feltro e lenços na cabeça eram paraíbas masculinas, “muié macho, sim, senhor”, seria nosso hostil e envaidecido salteador um “home fêmea”, um Diadorim às avessas no Grande Sertão? O casal anteciparia os cultivares híbridos dos campos homoafetivos? Nos eitos da história, são virgulinhas que destoam de seus contextos e fustigam nosso juízo crítico. Ou elas mesmas constroem seus contextos na senda inelutável desta gesta: nossa vida, viva gente. Eia, pois, o fogo instigante que alumia o tempo com as cores da intriga.



Maria Bonita





Vivo ou morto





A degola





Xilogravura: J. Miguel






4 comentários:

  1. Excelente, Romildo, excelente. Aprendi muito com esta crônica dos sertões, pois não havia ainda atinado com a etimologia de cangaço.
    Psicanaliticamente te acho correto quando interpreta a possibilidade homoafetiva do casal-mor do cangaço.
    Valeu, amigo.
    Wilson Daher

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  2. Intrigante seu ponto de vista sobre Lampião. Bj.
    Jade Rassi

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  3. Eu não sei por que os viados insistem que todo mundo também e viado,ou tem que ser viado.

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