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sábado, 22 de outubro de 2011

NEGROS BLUES



O blues nada mais é que um
homem bom sentindo-se mal.

                                                            filme Crossroads (1986), de Walter Hill


 



 
Pixinguinha

 
 Quem ouve “Tambores de Minas”, de Milton Nascimento, percebe a realeza do cantor, a variedade dos batuques, metais e cordas, o ritmo nativista encenando ritos de louvores e devoções. Flui a poesia de sumo crioulo, de significativo contorno melódico e semântico, combinando a tradição literária do ocidente à energia da madeira, do chão e dos bichos, sedimentados na forja africana do ser no tempo, e a vida dos “tristes trópicos” passando nele. Ali estão os sonhos rituais afro-brasileiros, as alegrias e aflições de existir e de morrer, e o amor aos seres e à terra a sintetizarem a existência.

  
                                      

Itamar Assumpção / Ataulfo Alves


Quem mergulha na intensidade sentimental e nos semitons sincopados de Bessie Smith, Billie Holiday e Janis Joplin; quem viaja no preciosismo musical de Cole Porter e Pixinguinha, na guitarra emocional de B. B. King e Jimi Hendrix, e nas vozes rasgadas de Louis Armstrong e Elza Soares, sabe a que me refiro. Em certos casos, supera-se a agonia noturna de Charlie Parker e Thelonious Monk, que se remoçam em sopros de Paulo Moura.  Erguem-se nos cantares de Nat King Cole, Ray Charles e Albert Collins. E, no Brasil, ressurgem em Alaíde Costa, Luís Melodia e Tim Maia. Manifestam-se no lirismo autodidata de poetas como Cartola, Monsueto, Lupicínio, João Pacífico e Assis Valente.




Elza Soares / Bezerra da Silva



O blues, antes de ser música, é estado de alma oprimido no suor dos sentimentos. É o cantar da terra perdida num chão adotivo. Vive na dança, na paixão, no banzo, dengo e cafuné. Campeia pelas terras da Jamaica, Uruguai, Venezuela e Cuba, e se instala no bumba maranhense e no xaxado, nos lundus, maracatus, congadas e festas do divino.  Encarna a atmosfera taciturna do ameríndio, e a cadência dos braços nos canaviais. Como as sementes da brisa, o blues germina em terras do mundo novo.



Alaíde Costa / Djavan


Esses recortes de sonhos, e de vidas e axés, essas retalhos da existência cerzidos em guetos e senzalas habitam melodias, harmonias e palavras. Nos quatro cantos da nação, são fortunas dolentes de artistas como Naná Vasconcelos, Paulinho Da Costa, João Mulato, Ângela Maria, Luiz Gonzaga, Jamelão, Tião Carreiro, Sandra de Sá, Nélson Sargento, Benjor, Seu Jorge, Donga, Itamar Assumpção e Adauto Santos. E Pena Branca e Xavantinho, Clementina de Jesus, Lourival dos Santos, Paulinho da Viola, Nilo Amaro e os Cantores de Ébano, Jorge Aragão, Nélson Cavaquinho, Bezerra da Silva e Blackout.  E Chico César, Alcione, Jards Macalé, Pereira da Viola, Gilberto Gil, Élton Medeiros, Kéti, Ismael Silva e Emílio Santiago.


 


 
Nélson Cavaquinho / Paulinho Da Costa



E Jair Rodrigues, Heitor dos Prazeres, Cascatinha e Inhana, Mano Brown, Baden Powell, Ataulfo Alves, Simonal, Wilson Baptista, Golden Boys e Dominguinhos.  E Djavan, Agostinho dos Santos, Martinho da Vila, Noite Ilustrada, Lecy Brandão, João do Vale e Candeias.  São infindos negros blues e quase brancos, tais e quais Vinícius de Moraes, que se dizia o branco mais preto do Brasil e que, num samba da bênção, traduz a nação dos semitons, black or white.  Saravá!



Jamelão / Monsueto / Paulo Moura




 


SARAVÁ!







2 comentários:

  1. Amei, ainda mais porque citou 2 mestres da música que amo: Milton Nascimento e Vinicius de Moraes.Não sei nem explicar, mas a música de ambos mexe na alma... adoro seus textos. SARAVÁ.(Silvia Fraga)

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