Dalva & Herivelto |
a Arice da Costa
Começaram em dueto que é o início dos grandes amores . Ele , poeta boêmio ; ela , a paixão e rainha da voz . E abusavam da vida em frenesis de cabarés . Formaram quarteto com os filhos pequenos em festivas cenas nas ondas do rádio e no rodopio das vitrolas . Após anos de delícias sem pecado , vieram as discordâncias , cada qual segredando aos amigos por que já não se davam tão bem . Ele compôs pra que ela cantasse, e Dalva gravou como se não fora ela a personagem : Teu mal é comentar o passado , ninguém precisa saber o que houve entre nós dois . O peixe é pro fundo das redes , segredo é pra quatro paredes ! Não deixe que males pequeninos venham transformar os nossos destinos ...
Rainha do Rádio |
Desjuntaram-se. Ele , amargurado, fez samba-canção à interlocutora com resignada esperança : Não , eu não posso lembrar que te amei. Não , eu preciso esquecer que sofri. Faça de conta que o tempo passou, e que tudo entre nós terminou, e que a vida não continuou pra nós dois . Caminhemos, talvez nos vejamos depois . Ela lhe devolveu o flerte mesclado de doces lembranças : Que será da minha vida sem o teu amor ? Da minha boca sem os beijos teus ? Da minha alma sem o teu calor ? Que será, da luz difusa do abajur lilás ? Se nunca mais vier iluminar , outras noites iguais ?
Que será da minha vida sem o teu amor? Da minha boca sem os beijos teus? |
Seguiram-se os bilhetes musicais . Ela , com terna melancolia : Tudo acabado entre nós , já não há mais nada . Tudo acabado entre nós , hoje de madrugada . Você chorou, eu chorei, você partiu, eu fiquei. Se você volta outra vez , eu não sei. Tudo acabado, hoje, de madrugada - indagou pensativo - seria só uma rima ? Com quem ela estará ? Arvoraram-se as opiniões maliciosas e Herivelto suplicava em agonia: Não falem desta mulher perto de mim . Não falem pra não lembrar minha dor . Já fui moço , já gozei a mocidade , se me lembro dela sinto saudade . Por ela vivo aos trancos e barrancos . Respeitem ao menos meus cabelos brancos . Sem resposta , tomou-a como mulher vulgar, uma rameira : Transformava o lar na minha ausência , em qualquer coisa abaixo da decência !
Errei, sim, manchei o teu nome, Mas fostes tu mesmo o culpado! |