Alex Raymond. Girl Rose
aos escritores
Dalton Trevisan e Miguel Jorge
Dalton Trevisan e Miguel Jorge
O mundo é cheio de realidades. Realidade é apenas uma parte da vida cruel da qual me despeço, não sem antes expor as minhas razões subjetivas. Primeiro, depois que ela tirou o ginasial e eu olhando as crianças de noite, disse que queria trabalhar pra fora pra realização pessoal. Palavras dela; achei graça. Afirmei que esposa minha não precisava se matar na rua e era só fazer o serviço da casa que eu aguentava no batente, como bem ou mal sempre aguentei. Teimou e fui obrigado a proibir. Como não resolveu, fui dialogar com a mãe dela. A velha nem deu bola.
Frank Miller. Sin City
Depois, num belo dia, peguei a Odete refestelada na cama com um livro dessa escritora boca suja da cidade, de nome que não vou declinar por uma questão de pudor. Sei que isso não é leitura que presta, pois até o Dr. Mário criticou lá na obra dizendo que até em palestra no Jardim da Infância ela fala nome feio, para o pasmo da diretora. Gente dessa laia é que põe tudo a perder!
Guido Crepax. Valentina
No nosso oitavo aniversário de casamento (ela nem se lembrou da data, diga-se de passagem) dei-lhe o livro Éramos Seis da Srª. Leandro Dupré, que comprei pela Internet. É, como todos sabem, cheio de mensagens da vida vivida mesmo. Ela simplesmente falou que já passou na novela e que aquilo é melodrama e eu que lesse se quisesse. Aí, sem perder a calma, expliquei que não tinha tempo, expondo que voltava cansado da hora-extra. Pois nunca deixei faltar nada em casa, como de fato nunca deixei mesmo. Ao que ela respondeu: "Nélson, mesmo não faltando nada, ainda falta." Não entendi, mas deixei pra lá, pois foi a última vez que ela me tratou pela minha graça (nas costas só me chamava de “ele”, por influência da mãe).
Frank Miller. Sin City
Mas como se fosse pouco, tacou na minha cara que eu estava sofrendo dos nervos e precisava ir no médico. Expliquei que não era nervo de doença, mas nervo de nervoso. Ela riu me dando as costas. E mais, numa bela noite, acusou que eu era tarado. Como reagi, como é comum nesses casos, ela me xingou de maldito. Maldito e tarado, mostrando as marcas roxas nos dois lados do pescoço, dizendo que fui eu que fiz, e que ela tinha vergonha de ir pra rua com blusa decotada.
Guido Crepax. Valentina
Mais pra frente, bem entendido, dias após, chegou dizendo que estava cansada do caixa e ia sair da firma pra estudar pra modelo. E que um amigo disse que ela era linda e tinha corpo pra esse ramo de profissão. E que ele tinha uma digital bacana e queria bater umas fotos dela. Percebi na hora, perdi a cabeça e avancei nela novamente. E a deixei trancada no quarto, sendo que a grade da janela dá num muro de seis metros. Quando voltei do bar ela chorou dizendo que ia dar parte do meu nome na Delegacia da Mulher.
Guido Crepax. Valentina
Lábios que beijei, mãos que eu afaguei! Fui um coração sossegado e quando conheci a Odete tinha nas mãos só afagos. Mas tudo mudou com a força do destino ou do tipo de criação que ela teve. Hoje, vejo que a mãe nunca fez uma unha de esforço pra explicar que estava errada. Acho que até gostava de ver a minha caveira. A gota fatídica foi ela mostrando pra velha as fotos que tirou escondida. As duas riam e me olhavam disfarçando. Aproximei e me acusou de intrometido. Odete estava simplesmente toda nua, em diversas posições. Arrastei ela pra dentro dizendo pros dois anjinhos que a mamãe ficou louca e ia levar uma lição. Dei nela várias vezes com a chave de fenda, levado por uma forte tensão emocional.
Agora ela está aí, deitada e calma, como sempre a amei. A velha lá fora, descabelada no berreiro. E eu no sétimo vidrinho de remédio de matar barata. Odete, paixão dos meus ais, mesmo acontecendo o que sucedeu, você foi o melhor dos meus sonhos, encanto da minha vida. Agora dorme com Deus, que eu também vou dormir abraçadinho com você. Para sempre seu amor, Nélson.
Romildo, como eu gosto dessa crônica!!!! Se eu te disser que lembrei-me dela nesse fim de semana vc acredita? pois foi! Estava pensando.... pensando... e me veio à cabeça exatamente essa crônica e o pedaço que mais gosto dela "Lábios que beijei, mãos que afaguei", muito muito muito bom!!!!!!
ResponderExcluirCurti!
Romildo, o texto ficou ainda mais...digamos...sei lá...mais apimentado (não é isso)...mais tesudo(quase isso), com as ilustrações da minha musa eterna Valentina. Todo homem sonha ter uma Valentina, mesmo que alguém venha e vire a página.
ResponderExcluirZecarlos Pontes
Seu texto é agudo, atinge as nossas carnes mais inconfessáveis. Beijo
ResponderExcluirGostei! Especialmente da misturas de elementos antigos com atuais. Mesmo o discurso me parece que varia entre uma postura muito conservadora dele, e mais moderna, dela. Valeu!
ResponderExcluirMiryan Baliberdim
"Lindo texto Romildo Sant'Anna....reflete bem a realidade da mudança de comportamento feminino do século XX e a reação masculina a essa mudança."
ResponderExcluirJosiane Amoriele Jurkovich
"Fiz o mesmo noite passada. Sem chaves de fenda ou marcas no pescoço, no entanto. Nada mais sei sobre calma ou letargia...."
ResponderExcluirMárcio Correa
Adorei o artigo.
ResponderExcluirAdriana Ramos
Não poderia ser outro o nome:Nelson.
ResponderExcluirRomildo você me transportou aos tempos do Rio, quando toda manhã, a primeira coisa que lia do jornal era o Nelson(Rodrigues, é claro)em A Vida Como Ela É.
Grácias.
Wilson Daher
Linda, linda demais! Esse blog é o máximo!
ResponderExcluirSandra Doriguelo
Romildo, suas crônicas são intensas e sempre descrevem de alguma forma os sentimentos mais ocultos que todos de certa forma temos pela vida e pelo outro. É sempre muito bom poder ler seus textos.
ResponderExcluirMuito lindo e de alguma Forma muito meu, seu e de todos. Romildo Sant'Anna seu texto é maravilhoso e sempre nos causa muito prazer em ler.Ótima semana, saudades de conversar e aprender com vc Dr.
ResponderExcluirSilvia Fraga
Fala-se em tempos modernos, novos papéis femininos, outros novos masculinos...numa sociedade que ainda não está tão moderna assim...
ResponderExcluirGde abraço.
Simplesmente interessante, professor!
ResponderExcluirEsta arte de emocionar com palavras, de fazer as pessoas viajarem em pensamentos, é maravilhoso porque mostra a Vida como Ela É...adorei!
Gostei muito! Retrata bem os sentimentos, os comportamentos...Parabéns!!!
ResponderExcluirAdriana P. Silva
Uma crônica de fôlego.Valeu
ResponderExcluirRomildo , um final feliz , apesar dos pesares ... Amor é assim , depois das brigas ainda resta amor..."Para sempre seu amor, Nélson" ...exatamente como você termina essa Crônica , muito gostosa de ler , porque em cada frase uma surpresa .
ResponderExcluirParabéns!
bjs
vera
"Belo texto só podia ser o nosso Romildo...ah lábios que beijei..."
ResponderExcluirFrancisco Otávio
Professor, sinto saudade da sua animação e dos textos cheios de conteúdo. O É tudo verdade: lábios que beijei é simplesmente sensacional. Grande abraço
ResponderExcluirThiago Ariosi
Gostei! Especialmente da misturas de elementos antigos com atuais. Mesmo o discurso me parece que varia entre uma postura muito conservadora dele, e mais moderna, dela. Valeu!
ResponderExcluirMiryan Baliberdin
Romildo, gostei e muito como gosto de tudo que escreve.
ResponderExcluirIzabelMartho
Bem real seu texto, instigante..., machismo pueril tipico, que ainda perdura... Torci pela reviravolta de Odete e agora para que o próprio veneno de um corretivo em Nelson...
ResponderExcluirMara Augusta Pessutti
Delícia de texto! Como todos os outros, pra saborear devagarinho. Beijão!
ResponderExcluirPatrícia Veríssimo
Quantas mãos afagadas, quantos lábios beijados e quantos thiaús tomados pelas vidas afora, belo texto, parabéns Romildo, abraços!! João Carlos Felicio
ResponderExcluirRomildo... final fatídico...prefiro os lábios beijados, e as mãos delicadas... gosto de finais felizes... a violência não justifica amor nenhum...o texto instiga, e o olhar dos olhos ( mar'it ka-ain ) enxerga a verdade que parece mentira e com isso fotografa a alma...beijos! Fernanda Sansão
ResponderExcluirLeio esta crônica pela terceira vez. O Romildo comentou comigo e com o Felício as reações que ela provocou. Para mim, é uma narrativa cheia de emoções, sensualidade e com um final perturbador: um anticlimax, a sangue frio.
ResponderExcluirZémanoel Aguiar