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sexta-feira, 21 de outubro de 2011

DONZELAS GUERREIRAS

 

A querida amiga Bia Lourenço
em sua luta pela construção dum Hospital da Criança






Donzelas guerreiras são entes lendários, feitiços insondáveis da mente. Repassam veredas e sertões em tramas fabulosas, vagando no imaginário ou comendo o pão que o diabo amassou nas armadilhas do existir. Não é difícil percebê-las no cotidiano, basta mirá-lo: Marina Silva, amazona da floresta; Dulce Maria Pereira, orixaguinhã dos quilombola; Heloísa Helena, voz plebeia da indignação reprimida... Fadadas ao padecimento físico ou espiritual, são castigadas por inversão dos papéis inscritos na tábua dos direitos e atributos da macheza. Luísa Erundina foi ao topo da montanha; vergou à rudeza imperiosa dos ventos. Senhoras do destino, elas renascem continuamente, como perene e eterna é a natureza humana.








Nas tramas da mitologia grega, e encarnando espírito de luta, foi donzela guerreira a sábia Ateneia, deusa e protetora do mundo ateniense. Em ancestral relato chinês, a camponesa Mulan disfarça-se de homem e substitui o velho pai no exército imperial. Intrépida, batalha pela expulsão de tacanhos inimigos. Tal fábula inda enternece em relatos épicos, poemas líricos, cantigas de acalanto e filmes de cinema.








Movida pela fé e a ouvir vozes sobrenaturais, a jovem aldeã Joana d'Arc comandou batalhas em trajes masculinos. Mudou os rumos da Guerra dos Cem Anos. Mulher-macho, não pôde dar-se em casamento, senão às juras que fizera a Deus. Imolada, foi à fogueira por heresia e ofensa aos costumes. Mas, santificada, revive em mosaicos de nossos sonhos.








Da escuridão medieval e traspassando atlânticas ondas do espaço e do tempo, circula pelos sertões brasileiros o livreto A Donzela que foi à Guerra. Tal fábula, correndo de boca em boca, cirze uma colcha de quimeras e se remoça na mais fascinante e proibida história de amor da literatura brasileira do século 20: a de Riobaldo e Diadorim, em Grande Sertão: Veredas.








O romance de Guimarães Rosa é uma longa confidência de Riobaldo a um desconhecido. Previne o narrador que as coisas passadas têm a astúcia de se remexerem dos lugares. "Viver é um descuido prosseguido", suspira. Vivendo como jagunço, Riobaldo aproxima-se de um companheiro, o audaz Diadorim. Endurecido pela rudeza do sertão, seu corpo oscila entre desejo e repulsa àquele jovem. E o coração enamora-se dele. Confessa: "Era ele estar perto de mim, e nada me faltava. Era ele fechar a cara e estar tristonho, e eu perdia meu sossego". Só depois de morto, e ao vê-lo sem roupas, descobre-o como uma linda donzela. Murmura: "aqueles olhos eu beijei, e as faces, a boca... não sabia por que nome chamar, e exclamei me doendo: meu amor".




Cena da minissérie exibida pela Rede Globo de Televisão.
Direção: Walter Avancini (1985). Bruna Lombardi é Reinaldo Diadorim




O amor mais insatisfeito e submisso aos enigmas da vida é este entre ásperos cabras de peia e valentões. Inda que estranho, é universal. Fala do amor natural entre pessoas, essência filosófica da ética e religiões. Toca fundo em vivências que ultrapassam a superfície das codificações sociais. Mostra o humano na relação afetiva com o outro. Desmaterializada e imagem da sublimidade, pulsa em nós a idealização duma donzela guerreira, sorrateira face descrita por Carl Jung como um dos atributos da anima (alma). É o ser em estado puro, que nem sempre aceitamos, porém aceso dentro de nós. Corpo e alma, macho e fêmea, eia, o ancestral e mais delicado dos duetos.





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poema concreto de Pedro Xisto, realizado em 1966
(He & She) - [S = serpens; H = homo; E = eva]




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